O autor deste livro, Inácio Araujo, acredita que ninguém imagina o futuro com alguma precisão. Por mais que se especule sobre ele a partir da experiência científica, sempre estaremos no presente. O presente é a única experiência que podemos ter e nossa única preocupação.
Daí sentir-se livre para conceber o “seu” futuro sem se preocupar com a evolução futura da ciência, mas se ocupando ao mesmo tempo do futuro que precisa conceber em suas páginas: “Um romance de antecipação exige que se construa um mundo razoavelmente coerente, para que o leitor possa conceber como pelo menos verossímil o ambiente e sua conexão com os acontecimentos. Como será o século 25? Não sabemos nem se haverá século 25. O que tentei foi criar um mundo em que se possa acreditar, mas apenas como organização de suas partes. Um mundo escrito, em suma”.
Por isso mesmo, “Utopia 3” permite-se empilhar elementos implausíveis: replicantes trotskistas, mutantes monstruosos, clones sobrevivendo precariamente, trânsfugas do novo sistema vivendo em túneis subterrâneos, e ao mesmo tempo clichês da ficção científica, como as longas viagens espaciais, transformações tecnológicas pouco compreensíveis, assim como uma existência longuíssima, graças aos progressos da medicina.
“A ficção, científica ou não, não precisa se justificar. Ela precisa apenas expressar uma verdade. Só que essa verdade é algo que o autor desconhece”, diz Inácio Araujo.
Como escreve Alcino Leite Neto na apresentação deste livro, “Fazer ficção científica no Brasil é um desafio que poucos escritores enfrentaram. Entre estes poucos, agora é preciso incluir Inácio Araujo, escritor e crítico de cinema, com seu novo e surpreendente romance, Utopia 3. Tão surpreendente que talvez a própria categoria ‘ficção científica’ seja estreita demais para enquadrar este livro, em que a elucubração sobre o futuro se alia à sátira política e à crítica social”.
Na ficção de Inácio Araujo, estamos no século 25, as grandes guerras finalmente terminaram, a União Universal tomou o poder, eliminou os estados nacionais, estabeleceu uma língua única e levou a uma era de enorme prosperidade. O mundo inteiro tornou-se uma megaorganização dirigida por um CEO com o auxílio de um grupo de gerentes e diretores de departamento; tudo existe sob os auspícios do lucro e do progresso científico, que esticou tanto a duração da vida humana que as próprias noções de tempo e memória perderam sentido.
No entanto, esse mundo é menos perfeito do que parece. Com os humanos conformados à nova ordem, caberá a dois replicantes manter viva a chama da rebelião na Terra. Um deles tem em seu programa pensamentos de vários autores anarquistas dos séculos 19 e 20; o outro foi programado com textos e ideias do líder trotskista J. Posadas. Juntos, eles buscam promover a revolução em um mundo de pessoas voluntariamente submissas à ordem universal.
Ao mesmo tempo, os humanos, que com o tempo tornaram-se ágrafos, vivem a frustração de não conseguirem se estabelecer em outro planeta antes que as fontes de vida da Terra se extingam. Diante da emergência, os dois replicantes revolucionários, associados ao astronauta Gagarin 33, mudam seus planos e, com a ajuda de um antigo astronauta, saem a uma nova aventura, em busca do único lugar em que a Terra e vida poderão se revigorar.
Inácio Araujo é técnico cinematográfico, tendo montado 13 longas-metragens, escrito seis roteiros e dirigido episódio de um filme. É crítico cinematográfico do jornal Folha de S. Paulo. Seus textos foram compilados no volume “Cinema de Boca em Boca”, org. Juliano Tosi (ed. Imprensa Oficial, 2010) e revistos em “Olhos Livres para Ver”, org. Laura Cánepa e Sergio Alprendre (edições Sesc, 2023). Publicou o romance Casa de Meninas (Marco Zero,1987 – prêmio revelação de autor da APCA; reedição da Imprensa Oficial em 2004) e o livro de contos Urgentes Preparativos para o Fim do Mundo (Iluminuras, 2017). Publicou ainda os ensaios Hitchcock, o Mestre do Medo (Brasiliense, 1982) e Cinema, O Mundo em Movimento (Scipione, 1995) e o romance juvenil Uma Chance na Vida (Scipione, 1989).