A fumaça de Troia mal sobe aos céus e já suas esposas, mães e filhas são partilhadas entre o exército grego, destinadas a servir a este ou aquele guerreiro. Poucas obras da literatura ocidental têm a carga reflexiva e emocional de As Troianas, de Eurípides, encenada em 415 a.C., e reescrita e reencenada desde então numa prova de sua inexaurível atualidade. Jean-Paul Sartre viu nela uma denúncia veemente de todo poder colonizador; outros a tomam como a peça que dá voz aos oprimidos, encarnados nas magistrais figuras femininas de Hécuba, Andrômaca e Cassandra.
Ifigênia em Táurida e Íon, as duas peças que também integram este volume de traduções e ensaios de Jaa Torrano, põem em relevo o caráter ambíguo das relações familiares, quando sobre elas incide a ação dos Deuses. Na primeira, Ifigênia, jovem sacerdotisa de Ártemis, deve sacrificar todos os estrangeiros que aportam em Táurida, sem saber que um deles é precisamente seu irmão Orestes. Em Íon, a contradição está instalada no personagem de mesmo nome, que serve com devoção no templo de Apolo, em Delfos, ignorando que este é seu pai e o gerou num ato de violência.
Este quarto volume do Teatro completo de Eurípides reafirma a incrível capacidade do dramaturgo grego de trazer à luz, com sutileza e precisão, os múltiplos movimentos da alma humana.