Recorrendo ao mito grego de Sísifo, aquele que conseguiu driblar o seu destino e aprisionar a morte, ousadia pela qual foi condenado ao exaustivo e inútil trabalho de rolar uma grande pedra de mármore ao topo de uma montanha, o poeta explicita o desejo de refletir sobre a passagem do tempo e a finitude. A epígrafe de Clarice Lispector expondo a urgência da "deseroização de si mesmo" fala do trabalho estético e existencial deste poeta.
Nesta coletânea de poemas, Affonso Romano de Sant'Anna retoma temas de livros anteriores, como a história, viagens físicas e metafísicas e a convivência com animais. Dialogando com o mistério da vida, do tempo, do universo e da morte, o poeta, do alto de seus mais de 70 anos, e uma vivência que inclui as utopias dos anos 60, a experiência da sala de aula, gestões como a que promoveu na Biblioteca Nacional (1990-1996) e o exercício diário da palavra escrita e recitada em lugares como Alemanha, Irlanda e México, apresenta uma obra que desafia a ideia de aleatoriedade que uma coletânea pode conter. Tudo aqui é pensado, coeso, com a organicidade de quem pratica a coerência e sabe que tem a oferecer ao leitor um painel de rara maturidade estética e existencial.
Sísifo desce a montanha é um livro cujo tema central é a morte – os medos, as angústias, os enigmas, as inquietações que rondam o assunto. O poema
Véspera clarifica que não existe quem esteja preparado para a hora última, para a hora derradeira, que ninguém está à espera da morte, que ninguém está realmente pronto para o ponto final. No entanto, como pode (erroneamente) parecer, este não é um livro sobre a morte. Este é um livro sobre a vida, sobre o grande aprendizado que é viver, confirmando a máxima de que, até o último sopro de respiração, o ser humano é um eterno aprendiz. A finitude é uma das grandes questões da humanidade, senão a maior.
Sísifo desce a montanha é um livro sobre a nossa breve existência neste mundo cheio de nuances, gradações e variantes.