Honoré de Balzac não foi apenas quem melhor retratou os esplendores e misérias da vida em Paris, mas também figura entre um dos seus inventores. Ele praticamente tratou de repertoriar as mais diversas situações sociais na sua comédia humana. Escorrem pela sua tinta, a vaidade, a ambição, a vergonha, o egoísmo, do mesmo modo que a leveza, a alegria, a embriaguez da vida em sociedade. Balzac transportou os dilemas da sociedade ocidental à inteligência das frases, retratando o que ficou conhecido na comédia como cenas da vida parisiense.
A breve narrativa de Balzac, Sarrasine, publicada originalmente na Revista de Paris em 1830, é uma dessas cenas mais intrigantes. Ela ocupou diversos críticos e escritores. Georges Bataille, por exemplo, no romance O azul do céu, foi categórico ao dizer que Sarrasine é o ponto mais alto da obra de Balzac. Roland Barthes e Michel Serres foram críticos que chamaram a atenção para distintos aspectos do texto. Tais estudos, S/Z, de Barthes, e O hermafrodita, de Serres, comprovam a polissemia que passa pela ambiguidade sígnica-sexual no interior da obra de arte e que é disseminada nas mais distintas práticas do fazer artístico, compreendendo pintura, escultura, música e literatura. A literatura com Balzac apresenta a rivalidade entre as demais artes, mais precisamente entre a escultura e a música. E ele é astuto o suficiente para o fazer sem reivindicar, portanto, critérios de julgamento estético.
Sarrasine é um texto literário que permanece inquietante. Mantém um frescor polissêmico de textos clássicos (Barthes), cuja força interpretativa, apesar das brilhantes leituras e interpretações precedentes, sempre se abre a novas leituras. Que o leitor se deixe conduzir – embriagado e alegre – por esta “meditação material” de Honoré de Balzac que ultrapassa os problemas de gêneros para ser uma obra-prima.
Eduardo Jorge de Oliveira