A poeta sonha e, em seu sonho, a figura de um boi imenso paira sobre ela. Estamos diante da poesia? O animal repousa-lhe o corpo (- ele, o boi -), empresta-lhe o olhar e, nesse modo de operar tal signo, cabem ainda as flores, a água, a casa, o corpo, os bichos e um mundo-movimento, traduzido no olho do boi: em si mesmo, aquele que condensa uma memória-tradição, o afeto, a recusa, as coisas. À espreita no cenário, o boi (o seu olho) afasta o mau-olhado, redobra os sentidos, cede espaço à imaginação, ao que se instaura como jogo. Em meio ao ambiente rural-urbano habitado por esses seres herbívoros, acessamos uma escrita que nos propõe outra forma de pensamento.
Inicialmente, guiamo-nos pelo princípio do domínio do gado (pelo bos-taurus in-verso) que se torna mais dinâmico, à medida que o manejador (a poeta, nesse caso) se deixa conduzir – num procedimento oposto à domesticação animal – pela animalia, pela vegetabilia. Daí, notam-se as partilhas: a transposição das ocorrências à linguagem.
Em Olho de boi, livro de estreia de Giovanna Soalheiro, a poeta apreende o ofício de tourear, jogando sobre a forma o tecido vermelho (a muleta) que envolve o ritual das touradas. Já o touro olha, vê a precariedade das coisas ao redor, nessa tentativa de domar, pela palavra, o impreciso, o dessemelhante.