O selo Escrituras, dentro da Coleção Ponte Velha, edição apoiada pelo Ministério da Cultura de Portugal e pela Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB), publica Olhares perdidos, de Nicolau Saião, organizado e prefaciado por Floriano Martins.Nicolau Saião integra o 2º movimento surrealista português, cuja atuação se situa nos anos 1960 e configura um momento dentro de um painel de filiações e assimilações do movimento francês nas décadas anteriores. Trata-se de momento em que, no dizer de António Luís Moita, já se encontrava “digerida e superada […] a bela utopia da escrita automática a que, duas décadas antes, outros poetas haviam metido mãos inovadoras”. Pertence à mesma geração de Luiza Neto Jorge ? muito embora comece a publicar somente em meados da década seguinte ?, que fazia parte de um grupo de vozes de certa forma isoladas, em Portugal, no que diz respeito a uma aproximação declarada do Surrealismo.Saião esboça sua particularidade a partir do interesse pelo mistério e pelo humor negro, duas fontes de intranquilidade ou de subversão da realidade. Uma poética inquietante, que mais se aproxima do Surrealismo quanto menos afetada se mostra por sua ortodoxia. Sua relação com uma prática coletiva em torno do movimento leva-o a assinar manifestos, montar exposições, criar um Bureau Surrealista Alentejano, na região portuguesa para onde se mudou, porém, aos poucos se vai configurando uma aposta no individual, e é justamente a partir daí que sua poesia melhor se define.Os inúmeros retratos que encontramos na obra poética de Nicolau Saião indicam sua reflexão aguçada acerca de modelos e sua atualidade. Jamais evoca um personagem do passado apenas movido por um sentimentalismo glorificante. Sua memória é a do desconforto, do choque entre passado e presente. É sarcástico, não desvia o terreno do humor negro nem busca dissimular a vítima de seus retratos. Uma tática visceral de sua poética radica na credibilidade que impõem os nomes dos personagens convocados. Tática subversiva que elimina qualquer discussão sobre a ocorrência anotada em relação a este ou àquele personagem.A substancial teimosia de Nicolau Saião está justamente em afirmar que o homem em si, cada homem, é seu último refúgio de humanidade.