A presente edição traz para o leitor a poesia de Yves Bonnefoy, visto pela crítica e pelo público como o poeta francês de maior destaque na segunda metade deste século. Os dois volumes que compõem esta edição, em apresentação bilíngue, incluem a sua produção até 1993, um poema inédito e um prefácio redigido especialmente pelo autor para a edição brasileira de sua obra.
O conceituado crítico Jean Starobinski diz, no prefácio que escreveu para a reedição de Poèmes, pela Editora Gallimard: “Talvez Bonnefoy (autor de admiráveis narrativas de sonho) chegue, finalmente, a uma trégua armada. Talvez, sem perder a sua esperança do ‘lugar verdadeiro’, chegue a aceitar que o espaço da palavra seja o entre-dois-mundos, e mesmo numa dupla aceitação: entre o mundo árido de nosso exílio e o jardim de presença’. Talvez seja necessário aceitar a imagem, a forma, as estruturas das línguas (que são o exílio conceptual) para aceder à presença, que não é uma transcendência segunda, mas um retorno consentido à verdade precária das aparências.
A imagem pode conduzir-nos a isso, em que pese o seu ‘frio’, se evitarmos solidificá-la, se soubermos arrancar-lhe a confissão de sua própria precariedade. No fim de Na ilusão do Limiar, os mundos (e leio aí: mundos-imagens) se reformam, depois de sua dissipação:
[...]
Cinza
Dos mundos imaginários dissipados,
Alva, no entanto,
Em que se atardam mundos junto aos cimos.
Respiram, apertados
Um ao outro, como
Animais silenciosos.
Movem-se, no frio.
[...]
Os dois tempos — de uma recusa do imaginário, depois de uma volta ao imaginário, agora pluralizado e tornado ‘respirante’ — estão aqui, a meu ver, marcados da maneira mais manifesta. Tudo se passa como se o imaginário, acusado de ter ocultado o real, de ter caluniado a aparência, de se ter constituído em mundo separado, fosse finalmente acolhido como parte legítima de um mundo mais vasto reconciliado.”
A obra poética de Yves Bonnefoy já foi traduzida para mais de vinte idiomas e é reconhecida pela crítica como comparável ao que de melhor se produziu na França em todos os tempos. A presente publicação da Editora Iluminuras está em sintonia com uma longa tradição que se remonta, no Brasil, aos tempos coloniais, atravessa o século XIX e vai até a primeira metade do século XX, quando osintelectuais, escritores e poetas brasileiros frequentavam regularmente as letras francesas. Note-se que os brasileiros medianamente cultos liam, em geral, os textos franceses no original.
Desde a Segunda Guerra Mundial, entretanto, a hegemonia militar, política e econômica dos Estados Unidos da América no mundo trouxe em seu bojo a predominância da literatura de língua inglesa e relegou para um lugar secundário todas as demais literaturas, incluindo a francesa. Isso fez com que a grande maioria dos brasileiros deixasse de dominar a língua francesa, e a produção intelectual, literária e poética da França, ainda que de altíssimo nível, só fosse acessível pela via da tradução. Eis o que justifica a presente edição da obra poética de Yves Bonnefoy em edição bilíngue.
Yves Bonnefoy nasceu em Tours, em 1923, e, depois de ter frequentado, na juventude, o grupo surrealista, opôs-se aos seus princípios literários e, desde os anos cinquenta, vem trilhando, com absoluta originalidade, o seu próprio caminho como poeta, ensaísta e critico de arte.
A poesia de Yves Bonnefoy é marcada por uma busca, sem trégua nem concessões, do “vrai lieu” (lugar verdadeiro) — esperança, sempre a preceder a palavra —, da unidade a ser reencontrada. Aceitação do limite, da finitude e da morte que conduz ao encontro, na outra margem, das coisas simples em que revive a manifestação do ser: a moradia, a luz, o fogo, a pedra, a folhagem, a neve, o amor.
Embora não se prenda aos formalismos da poética tradicional, a poesia de Yves Bonnefoy é sempre perpassada por um trabalho muito elaborado sobre a materialidade do signo: ritmos, sonoridades, espacialização. E ele próprio quem nos diz em seus Entretiens sur la Poésie: “Poeta é quem, numa língua em que há sem dúvida noções inumeráveis, ideias com pressa de dizer tudo, cria relações, não entre ideias, mas entre palavras, pela via da beleza de uma escrita que faz intervir as sonoridades, os ritmos, e toma a aparência de imagens, irredutíveis à análise.”