Setenta e duas são as virgens que cabem a todo mártir da fé, reza a tradição islâmica, e não há de ser diferente no caso de Muhammad Mané, ou seja, Manoel dos Santos, promessa do futebol alemão e internacional, recém-converso e recém-imolado - sabe-se lá se pelas melhores razões - à fé de Alá. Setenta e duas, todas belas e amoráveis, dando mole como nunca em vida, recendentes a maionese e eucalipto. O Paraíso parece ser bem bacana. Mas não.
Preso a uma cama de hospital em Berlim, à beira da morte, Mané desfruta, enquanto é tempo e de uma só vez, tudo o que lhe foi sistematicamente negado ao longo da vida breve e da carreira ainda mais: sanduíches regados a maionese, mulheres lascivas e maternais, seios protéticos e orifícios com odor de eucalipto, sem as perebas, secreções e borrachudos de sua miserável cidade natal, Ubatuba, no litoral paulista. Mas não. Pois mesmo em sonhos está reservada ao atleta a revelação de que, afinal, "é tudo Inferno".
É claro que tudo poderia ser diferente, se ao menos os técnicos e as psicólogas não fossem tão obtusos, se os colegas não fossem tão cruéis, se a mãe não bebesse tanto, se Uéverson, o impagável centroavante que prefere viver o paraíso na Terra, não fosse tão obcecado pelo sexo em escala hercúlea. Mas não. Em O Paraíso é bem bacana, André Sant'Anna aciona em velocidade máxima o carrossel de lugares-comuns que fazem o tecido da mente: todos estão igualmente presos às frases e idéias fixas que os definem e, numa tabelinha perversa, os esgotam.
Romance minimalista e caudaloso, hilariante e cacofônico, O Paraíso é bem bacana confirma o lugar de André Sant'Anna entre os melhores narradores do Brasil atual. Depois da experimentação madura de seus dois primeiros livros, Sant'Anna compôs uma obra poderosa, imagem invertida das mais caras fantasias brasileiras que culmina num ato extremo e solitário do anti-herói Mané em pleno Olympiastadion de Berlim.