A obra de Roberto Arlt já foi analisada a partir de diversos ângulos, e um dos menos comentados é o que corresponde a este livro. O criador de gorilas, série de contos elaborados por Arlt durante uma viagem à Espanha e ao Marrocos, em 1935, já foi considerado “um dos pontos mais altos” da literatura argentina e uma expressão “do racismo, do colonialismo ocidental, da avareza das classes prósperas, e tudo sob a aparência de uma inocente ‘cor local’ africana”.Esta incursão ficcional do escritor argentino por cenários do norte da África, publicada primeiramente entre 1937 e 1941 no jornal El Mundo e na revista El Hogar, é fruto tanto da passagem do escritor pelo mundo árabe quanto, por exemplo, da leitura de traduções em espanhol de As mil e uma noites, de contos africanos recolhidos pelo etnólogo alemão Leo Frobenius e dos relatos de viagem do botânico Emilio Guinea. Também reproduz estereótipos do cinema de Hollywood, que explorava o “exotismo” oriental em filmes como O Sheik (George Melford, 1921) e A múmia (Karl Freund, 1932). A partir dessa diversidade de fontes, Arlt produz uma mistura peculiar da qual resultam, hoje, alguns elementos incômodos, como certas caracterizações pesadamente racializadas.Em relação a isso, vale observar, por exemplo, que o homem e a mulher negros são geralmente representados como gigantescos, monumentais, desproporcionalmente grandes diante de ocidentais magros, encolhidos e macilentos; que a religiosidade é sempre motivo de especulação, em algum lugar no espectro entre o mistério insondável e a vigarice absoluta; e que quase todos os personagens, independentemente da etnia, são ao menos suspeitos de algum crime. Não há heróis e ninguém é confiável, em especial os narradores.Também vale chamar a atenção para o fato de que estes quinze contos não são apenas a representação do olhar do homem branco que adere ao ideal colonialista e reforça estereótipos de gênero e raça. São, à sua maneira, quinze monumentos à barbárie, assustadores, desconfortáveis. E são também uma rica fonte histórica: dão conta de um olhar latino-americano muito particular sobre um mapa que se reconfigura de maneira radical entre duas grandes guerras, cruelmente devastado por um velho mundo que se nega a morrer e tenta manter unhas e dentes cravados no continente africano. Até hoje.