Um exercício insuperável em ficção científica e uma história moral de significado profundo - Angela Carter. A 1ª edição econômica do livro, um romance distópico O conto da aia, de Margaret Atwood, se passa num futuro muito próximo e tem como cenário uma república onde não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes. As universidades foram extintas. Também já não há advogados, porque ninguém tem direito a defesa. Os cidadãos considerados criminosos são fuzilados e pendurados mortos no Muro, em praça pública, para servir de exemplo enquanto seus corpos apodrecem à vista de todos. Para merecer esse destino, não é preciso fazer muita coisa, basta, por exemplo, cantar qualquer canção que contenha palavras proibidas pelo regime, como “liberdade”. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes. O nome dessa república é Gilead, mas já foi Estados Unidos da América. Uma das obras mais importantes da premiada escritora canadense, conhecida por seu ativismo político, ambiental e em prol das causas femininas, O conto da aia foi escrito em 1985, mas ganhou status de oráculo após a eleição de Donald Trump nos EUA, voltando a ocupar posição de destaque nas listas dos mais vendidos em diversos países 30 anos após o seu lançamento, além de ter inspirado a série homônima (The Handmaid’s Tale, no original), produzida pelo canal de streaming Hulu. O livro volta às prateleiras pela Rocco, que publica a obra de Atwood no Brasil, com nova capa, assinada pelo artista Laurindo Feliciano. As mulheres de Gilead não têm direitos. Elas são divididas em categorias, cada qual com uma função muito específica no Estado. A Offred coube a categoria de aia, o que significa pertencer ao governo e existir unicamente para procriar, depois que uma catástrofe nuclear tornou estéril um grande número de pessoas. As mulheres transformadas em aias são entregues a algum homem casado do alto escalão do exército e obrigadas a fazer sexo com eles até engravidar. Após dar à luz, elas amamentam a criança por alguns meses, sendo o bebê propriedade do casal que as escravizou, e então são entregues a outro homem, agora com outro nome – Offred significa “of Fred” (“de Fred”) ou “pertencente ao homem chamado Fred”. Assim, ao longo da vida, uma aia pode ter vários donos e, portanto, vários nomes: Ofglen, Ofcharles, Ofwayne. Offred tem 33 anos. Antes, quando seu país ainda se chamava Estados Unidos, ela era casada e tinha uma filha. Mas o novo regime declarou adúlteros todos os segundos casamentos, assim como as uniões realizadas fora da religião oficial do Estado. Por isso, sua filha lhe foi tomada e entregue para adoção, e ela foi tornada aia, sem nunca mais ter notícias de sua família. É uma realidade terrível, mas o ser humano é capaz de se adaptar a tudo. “A sanidade é um bem valioso: eu a amealho e guardo escondida, como as pessoas antigamente amealhavam e escondiam dinheiro. Economizo sanidade, de maneira a vir a ter o suficiente quando chegar a hora”, escreve Offred em seu diário proibido. E sem dúvida, ainda que vigiada dia e noite e ceifada em seus direitos mais básicos, o destino de uma aia ainda é melhor que o das não-mulheres, como são chamadas aquelas que não podem ter filhos, as homossexuais, viúvas e feministas, condenadas a trabalhos forçados nas colônias, lugares onde o nível de radiação é mortífero. Com esta história assustadora, Margaret Atwood leva o leitor a refletir sobre liberdade, direitos civis, poder, a fragilidade do mundo tal qual o conhecemos, o futuro e, principalmente, o presente.