O protagonista deste romance nasceu em 1960 em Porto Alegre, mudou-se para o Rio de Janeiro e depois para Nova York, onde iniciou a carreira artística. Teve contato com ícones da pop art, como Andy Warhol, e esbaldou-se na cena noturna da badalada Big Apple. Como tantos outros de sua geração, viu paixões se transformarem pelo medo do HIV. Contemporâneo de Basquiat, realizou performances, colagens, instalações e pinturas, vivendo tendências como grafitti e body art. Apesar de ser agora comparado a grandes nomes como Leonilson, Banksy, Cildo Meireles e Marina Abramović, João Pedro Bennetti Bier foi ignorado pela crítica e pelo circuito de galerias do país natal, o que torna o registro de sua exposição retrospectiva um ato de reparação.
Por meio da paródia, recurso literário que Reginaldo Pujol renova a cada novo livro, temos em Nosso corpo estranho acesso aos textos de parede da mostra, e é como se caminhássemos por entre as obras. Mas quais delas? Sem imagens que lhes dê materialidade, somos convidados a exercitar a imaginação, deixar-nos levar pelas palavras de Reginaldo Pujol Filho que, ao assumir a curadoria, transforma-se em personagem de sua invenção.
O curador-escritor se apropria da gramática da crítica de arte, distinguindo três fases de João Pedro, ou “nosso JayPee” — visceral, crítica e trágica. Com humor, sarcasmo e muito domínio da linguagem, Pujol Filho descreve o arco da inocência à desilusão, a descoberta e a intoxicação com as engrenagens do meio artístico pelo qual passou o artista. E, como leitores, passamos pelo mesmo processo ao recebermos as pistas de que tudo não passa de engodo.
Para além da relação com o mundo da arte, esta narrativa também trágica nos leva a pensar nos limites da ficção e em seus mecanismos. Do que é capaz a linguagem? O que é apenas verossímil e, mais profundo, o que é a realidade?