Politicagem, lobby, chantagem, repressão policial e iminência de golpe militar – esses são alguns dos infelizes elementos presentes na escalada do poder que Cyro dos Anjos retrata em Montanha, romance originalmente publicado em 1956 e que a Biblioteca Azul agora devolve às prateleiras em nova edição, organizada por Wander Melo Miranda. Ocultando personalidades reais do cenário político e social brasileiro sob nomes fictícios, o autor dos já clássicos O amanuense Belmiro e Abdias narra a trajetória de Pedro Gabriel, político que, à sombra do fim do Estado Novo, almeja ascender ao governo da fictícia Montanha. Ronda, no entanto, a ameaça de um novo golpe militar, que pode colocar a perder todos os avanços obtidos na administração do Brasil, que aparece, aqui, com suas divisões administrativas, sua história e sua geografia embaralhadas.A partir do incrível domínio narrativo de Cyro dos Anjos, ficamos conhecendo, de várias perspectivas e sem apelo ao panfletarismo, o que se passa na mente de todos os participantes desse intransigente jogo político: colegas parlamentares, inimigos de púlpito, jornalistas, militares, parentes, esposas, amantes e até mesmo o mais simples dos eleitores de Pedro Gabriel.Tido como “total novidade em nossas letras” por Carlos Drummond de Andrade devido à maestria literária e ao acurado retrato psicológico dos atores políticos da realidade brasileira de então, Montanha surge-nos novamente não apenas como quebra-cabeça do quadro político nacional pós-Getúlio Vargas, mas também como um imensurável e mordaz exame psicológico do cidadão democrático – especialmente das personagens femininas, como Ana Maria, Emília e Cláudia, aprisionadas entre um já obsoleto senso de dever familiar e a possibilidade de emancipação com a chegada de tempos mais livres.O autor Cyro Versiani dos Anjos nasceu em Montes Claros (MG), em1906. Graduado em direito, trabalha como funcionário público e também nos jornais Diário da Tarde, Diário do Comércio, Diário da Manhã, Diário de Minas, A Tribuna e Estado de Minas. Em 1933, publica em A Tribuna uma série de crônicas que originariam seu romance mais famoso, O amanuense Belmiro (1937). Em Portugal, publica o ensaio A criação literária (1954). Entre os vários prêmios literários, destacam-se os da Academia Brasileira de Letras, por Abdias (1945); do Pen-Club do Brasil e da Câmara Brasileira do Livro, por Explorações no tempo (1963; revisto, passa a integrar A menina do sobrado, com o título “Santana do Rio Verde”) e por A menina do sobrado (1979). Publica ainda o romance Montanha (1956) e os Poemas coronários (1964). Eleito em 1969 para a ABL, falece no Rio em 1994.