Idade do Zero (selo Escrituras) é um livro elaborado sob uma perspectiva de renovação/inovação da matéria poética, considerando-se como sua unidade primeira a palavra. Sobre e a partir da palavra há toda uma exploração e definição de novas semânticas que corrompam ou matizem sua significação corriqueira. Neste sentido, a frase poética desenvolvida no conjunto dos poemas busca também, igualmente, um efeito de ressignificação e de desalojamento do lugar lírico atribuído tradicionalmente à poesia. Sua sintaxe, assim, combina elementos, linguagens e mundos de referência linguística diversos, de modo a incitar uma nova forma de provocar lirismo e ludismo, por lidar com o não usual. Se a palavra transmuta-se para brinquedo, a frase constitui o suporte ou fase dentro da própria brincadeira: o poema.Tematicamente, Idade do zero não foge de trazer de volta questões mal resolvidas pela modernidade. A falta de lugar do indivíduo num modelo de sociedade cujos lugares encontram-se funcionalmente distribuídos, em que o reconhecimento normalmente resulta da adequação e do caráter oportuno do que se faz, e não do que se pensa ou se sente ou se é dentro da coletividade. A própria rejeição, e dependência, em relação ao viver frenético da cidade. A impessoalidade reinante nas atuais relações humanas. O desgaste, a saturação e a distorção do olhar e mesmo dos outros sentidos num mundo concentrado de imagem e velocidade. A fragmentação da realidade e, por conseguinte, de qualquer discurso que se produza. Um senso de desorientação, caos que predomina mesmo no interior do indivíduo. Nada, portanto, escapa de um grande vazio existencial por onde o eu-lírico de Idade do zero transita, vive, pesquisa.Invertem-se status. O que não é valorizado, passa a ser: o incomum, o torto, o traste, o velho. O termo de baixo calão. A palavra (ou sentido da) que caiu em desuso ou que tinha tudo para virar palavra e não chegou a ser. Rebaixa-se o trabalho socialmente mais reconhecido. Denigre-se a idéia de mercado, de produtividade, eficiência. Condena-se a rotina. Faz-se poesia do lixo, do erro, do estranho.Idade do zero, com isso, tende a causar uma estranheza inicial no leitor, por este não se defrontar com um eu-lírico autopiedoso, romântico, evocativo, mas com um poeta às vezes de tom agressivo, comicamente grosseiro ou infantil, tragicamente melancólico e crítico do(s) mundo(s) que ele adora e abomina contraditoriamente, num movimento duplo e tenso de encantamento-repulsa do indivíduo pelo seu meio, já demarcado por Baudelaire na alvorada da modernidade e do urbanismo na França.