Há histórias que nos entregam apenas uma história; porém, há outras melhores, estas que nos sugerem essências para a compreensão da vida.
Pois Valesca de Assis nos oferece, em Harmonia das esferas, personagens como Léo Schreiber, o poeta contido pela rotina prática dos dias, cerceado pelas securas de Suzana, sua mulher; Magdala, a amante restada do General Candinho – homem de aspirações monumentais e disciplinas –, envolta nas elaborações oníricas com o pai que não conheceu; e ainda alguns alter egos, como a Senhorinha M e o Mestre. São elas que se constituem ao mesmo tempo como arquétipos e alcances para compreender aquela condição existencial em que, como centro, o olho do observador vê o que está incontornavelmente perto e o que está inapelavelmente distante – o ser e o mundo.
O simbolismo de Valesca de Assis acontece na história através das correlações entre as diferentes personagens. São circunstâncias em que – apesar da remissão ao mundo das ocupações frívolas – dá-se o acordo, o congraçamento, a harmonia. De certo modo, ela nos devolve a esperança de que “por detrás desse rumor visceral – só audível no silêncio – (...) delgadíssimos fios costuram o visível ao invisível, o que está à mostra e o que esconderam ao homem, ou aquilo que ele teve de esquecer para salvar-se”.
De certo modo, Valesca resgata aquela consideração de Nietzsche que afirma que só se está de posse do “verdadeiro” sob a condição de ser compreendido e, na verdade, sob a condição de ser compreendido com benevolência. Do contrário, ante o estranho, nós nos ocultamos.
A Harmonia das esferas é uma pérola literária, cerzida com os fios sutis de uma linguagem capaz de tecer imagens como “Passou os dedos entre as pernas e levou-os à boca, bebendo o gosto de seu filho”; linguagem que faz aparecer as coisas nos modos em que só a linguagem as faz aparecer. É obra para reler e reler a si.