Na antropologia, na psicanálise, na política e na literatura, nos choques de civilizações e identidades, na família e nas relações amorosas, o outro é aquele que não sou eu. Ou talvez seja? O conceito de alteridade, investigado em tantos campos do conhecimento e da arte, atravessa o 10o volume da revista Granta, publicada pela Tinta-da-China Brasil sob direção editorial de Pedro Mexia (Portugal) e Gustavo Pacheco (Brasil) e direção de imagens de Daniel Blaufuks.
São diversos os conflitos do presente que giram em torno da alteridade – no Brasil, além da polarização que vem esticando a corda da política, são aterradores os números de morte por desnutrição e de contaminação por mercúrio dos Yanomami. Pelo mundo, conflitos com povos originários e imigrantes, vistos historicamente como os “outros” por antigos colonizadores, somam-se aos embates com aqueles que estão ao nosso lado mas aparentemente distantes, disputando espaços e direitos, por vezes básicos, em reivindicações identitárias.
“Mas nem sequer é preciso acentuarmos essas querelas do momento presente, que podem ou não ser as querelas do futuro”, escreve Pedro Mexia, editor português da Granta; “o ‘eu’ e ‘o outro’ acompanham-nos desde sempre, sobretudo no confronto, episódico ou quotidiano, com as grandes diferenças humanas. [...] A verdade é que a alteridade também se manifesta em contextos que são de todas as épocas.”
Pode-se tentar reforçar e até ampliar essa distância que separa o eu do outro, ou investir em tentativas de superá-la, quem sabe até tornando-se outro. Em seu texto de apresentação ao volume, o editor brasileiro Gustavo Pacheco retoma o testemunho de Davi Kopenawa a Bruce Albert, em A queda do céu, sobre virar outro: “Não há nada de simples em ‘virar outro’. Para os Yanomami, assim como para tantos outros povos originários, ‘virar outro’ é algo necessário mas também assustador, é algo frequente mas nem por isso menos intricado, é algo prazeroso mas também doloroso”.
É para tratar desse tema complexo que a Granta O Outro reuniu autores consagrados e em ascensão, de idiomas e gerações variados: César Aira, Olavo Amaral, Adam Dalva, Isabela Figueiredo, Marta Hugon, Janet Malcolm, Ernesto Mané, Natércia Pontes, Valério Romão, Ali Smith, Teresa Veiga, Aparecida Vilaça, Francesca Wade. Os ensaios fotográficos são de Mag Rodrigues e Eduardo Viveiros de Castro (responsável também pela imagem de capa)