É unânime a opinião de que o romance Finnegans Wake (1939), de James Joyce, é em princípio completamente intraduzível. O próprio Joyce, contudo, foi o primeiro a decidir que isso não era motivo para que ele não fosse transposto, transcriado ou traduzido, em algum sentido desse termo flexível. Depois do aparecimento em 1928 de Anna Livia Plurabelle, um texto que posteriormente se tornou o capítulo oitavo do romance, ele logo organizou um grupo de tradução experimental (para continuarmos empregando o termo tradução) para verter várias páginas desse capítulo para o francês, com o seu próprio auxílio; em seguida, colaborou na tradução de excertos menores para o inglês básico; e, finalmente, assumiu o comando de uma exuberante tradução para o italiano de algumas páginas anteriormente traduzidas para o francês.
A despeito de sua óbvia intraduzibilidade, existem atualmente, e nisso seguem os passos de Joyce, várias versões, traduções, transposições ou transcriações completas de Finnegans Wake, em mais de uma dúzia de línguas diferentes. A primeira tradução em língua portuguesa de excertos, por Augusto e Haroldo de Campos, apareceu em 1957; ampliada, deu origem a um pequeno volume em 1962, sob o título Panaroma do Finnegans Wake. A primeira tradução completa do romance coube a Donaldo Schüler e apareceu em 2003 sob o título Finnicius revém. Capítulos individuais foram traduzidos por outras mãos, inclusive as de Dirce Waltrick do Amarante, a coordenadora arrojada e incansável de Finnegans Rivolta, a segunda versão completa em português do Brasil. Seguindo o exemplo de Joyce, que reuniu um grupo de tradutores, Finnegans Rivolta é o produto fascinante de onze tradutores.
Os leitores que compararem uma página qualquer de Finnicius revém com a página equivalente de Finnegans Rivolta ficarão impressionados com as diferenças, muitas vezes surpreendentes, entre os dois Wakes brasileiros — e os leitores de Finnegans Wake poderão igualmente ficar surpresos, às vezes, com as diferenças notáveis entre os vários métodos tradutórios empregados em seus diversos capítulos. Isso inevitavelmente tinha de acontecer, pois, embora o texto de Joyce seja na verdade intraduzível em princípio, ele ao mesmo tempo pede com insistência para ser traduzido ou transposto para outras vozes.
Finnegans Wake fala a seus leitores por meio de uma multiplicidade de vozes, e seus tradutores irão também responder necessariamente com abundância de vozes. Finnegans Rivolta, com seu coro de onze tradutores, responde com um entusiasmo exuberante a esse desafio, e o fascinante resultado, a ser saboreado com igual entusiasmo, é na verdade “muita diversão em Finnegans Wake” — um Wake amplificado translinguisticamente por múltiplas vozes que se cruzam em Finnegans Rivolta.
Patrick O’Neill
Professor emérito de Estudos Literários na Queen’s University, Canadá. Publicou, entre outros livros sobre Joyce, Impossible Joyce: Finnegans Wakes (2013) e Trilingual Joyce: The Anna Livia Variations (2018).