Clara Marsh tem uma profissão no mínimo excêntrica. Ela é responsável por remover, transportar e melhorar a aparência de corpos mortos, preparando-os para o velório. Protegida por Linus, dono da Funerária Bartholomew, e pela sua esposa Alma Victorian, ela luta para dar sentido à vida e entender a complexa rede de sentimentos que une as pessoas. Este é o mote do romance Entre vivos e mortos, livro de estreia da norte-americana Amy Mackinnon. Com domínio narrativo surpreendente, a autora aborda com segurança e sensibilidade questões controversas e delicadas, como a convivência com a rotina da morte, a pedofilia e o maus-tratos a crianças e adolescentes. Cética e presa a duras lembranças, a contida vida de Clara começa a mudar quando ela conhece Trecie, de apenas oito anos. Brincando no salão de um velório, a garota, abandonada, implora por carinho. A vida da garota, no entanto, parece estar cruelmente ligada à de outra garota, cujo corpo, abandonado na floresta e nunca identificado, ganhou o apelido de Flor sem nome. A retomada da investigação em torno deste caso traz à tona mais do que Clara gostaria de encarar – seus próprios fantasmas. Escrito em primeira pessoa, Entre vivos e mortos traça o perfil da agente funerária Clara de modo contundente. Oscilando entre o passado e o presente, a autora revela aos poucos os paradoxos de sua existência, marcada por traumas de infância, que a levam a se identificar com as crianças que são vítimas de adultos perversos e inescrupulosos. Tudo o que ela deseja no fundo é protegê-las. Mas não se sente capacitada para tal tarefa. No corpo e na alma de Clara convivem a frieza e o cálculo, indispensáveis na sua profissão, mas também a carência e a necessidade de entregar-se à vida, encarando-a de frente. E é este paradoxo, que mostra as fragilidades de uma mulher tentando o tempo todo negar seus sentimentos, que torna o romance de estréia de Amy Mackinnon extremamente envolvente, capaz de levar o leitor a lê-lo num só fôlego.