Depois de vencer o Prêmio SESC de Literatura em 2005, André de Leones não parou, e já está lançando seu quarto livro de ficção. Em tudo o que ele escreve – inclusive em vários dos posts de seu blog,
Perdiídiche – há essa tangível busca de significado: da linguagem, das palavras, dos gestos alheios, do sofrimento, do mundo.
Dentes negros ("os dentes dos outros às vezes me falam mais do que seus olhos", escreveu André certa vez em seu blog) é um romance curto ambientado num Brasil pós-apocalíptico em que parte da população foi varrida por uma doença misteriosa e fatal – "um deserto no coração do país". Muitos morreram em poucos minutos, e um dos índices da morte eram os dentes negros expostos em bocas escancaradas, num último grito sem fôlego. Os sobreviventes carregam consigo a lembrança persistente e dura dos mortos que viram – alguns perderam a família inteira, isolam-se, outros caminham por encontros frágeis e fortuitos, em que o outro aparece como boia de uma salvação impossível. Os personagens se estranham mesmo quando estão juntos. E procuram estar juntos mesmo quando se estranham.
É um livro de silêncios perpassando até mesmo os diálogos, um livro de paisagens vazias (reforçadas pelas imagens de Lívia Ramirez, que André escolheu como comentários visuais ao seu texto e que retratam lugares aos quais se subtraiu o movimento, a vida, como os balanços imóveis de um parquinho infantil). É um livro em que os personagens não fogem ao sofrimento – ao contrário: o sofrimento é um modo de "sentir-se humano, tangível, menos gratuito".
Aliás, essa vem sendo uma das marcas da literatura de André de Leones: a capacidade e a coragem de pôr o dedo na ferida, de dizer o que outros insinuam, de colocar os pés e as mãos no que outros bordejam. Ele sabe que toda boa literatura é, antes de tudo, um risco.
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Adriana Lisboa