"Contos de assombro" é uma coletânea de dezoito narrativas e um ensaio que procura abordar a literatura fantástica e de mistério fora dos nichos de gênero, como um convite a um público mais amplo que o habitual. O inesperado está presente não apenas como temática, mas também na inclusão de autores clássicos reconhecidos por outras filiações, como Émile Zola, Edith Wharton, Ivan Turguêniev, Luigi Pirandello e Virginia Woolf. Em todos eles se encontra a sensação de assombro – seja por meio de uma sátira sobre a crueldade do ser humano, caso da narrativa implacável de Zola, ou pela descrição minuciosa de um único gesto refletido num espelho, no delicado conto de Woolf.
Um dos recortes que orientaram a escolha dos contos da coletânea é temporal: todos foram escritos entre o início do século XIX e as primeiras décadas do século XX, apogeu da produção literária de mistério em seu período pós-gótico, como explica no posfácio Alcebíades Diniz, pós-doutor em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo Diniz, o início de uma era em que começaram a predominar no mundo da cultura a racionalidade e os ecos dos avanços da ciência coincidiu, em fins do século XVIII, com a decadência da literatura gótica – em que o inexplicável e o insondável se manifestavam por meio das forças da natureza e dos truques ficcionais. Na fase moderna, o sentimento de inquietação ganha primeiro plano e tende a permanecer ao fim da leitura. Sob essa perspectiva, o sobrenatural passa a se subordinar a um sentimento de desconcerto e ambiguidade, esmaecendo as fronteiras de gênero. É esse o universo que abarca as narrativas do livro, em que não falta humor negro, como no conto de Washington Irving, nem melancolia, traço da surpreendente narrativa de Horacio Quiroga em que os personagens são animais cercados por arame farpado.
Ao lado desses escritores de outros cânones figuram nomes mais frequentes em antologias de literatura fantástica. Talvez o nome mais conhecido deles, Edgar Allan Poe, está representado no volume com um conto alucinatório e pouco conhecido – cuja autoria era até pouco tempo contestada. E.T.A. Hoffmann é o autor de um dos textos da antologia que evocam o demônio como uma presença inelutável (mesmo que simbolicamente), mote também da narrativa de Robert Louis Stevenson. Outro autor célebre da literatura fantástica, Guy de Maupassant, aparece não com sua ficção, mas num ensaio publicado na imprensa sobre as possibilidades de desenvolver os temas sobrenaturais nos tempos modernos.
Autores menos conhecidos no Brasil, como o argentino Leopoldo Lugones, a espanhola Emília Pardo Bazán, o francês Charles Nodier, o inglês M.R. James e o russo Leonid Andrêiev, comparecem ao lado de três brasileiros, João do Rio, Medeiros e Albuquerque e Humberto de Campos. A variedade ilustra aquilo que Diniz chama de “expansão do fantástico”, ocorrida modernamente e representada no livro não só pelos temas e abordagens, mas também pela origem dos textos, escritos originalmente em inglês, francês, espanhol, alemão, russo e em português. Há histórias de fantasmas, de buscas da eternidade, descrições próximas a pesadelos, especulações sobre a natureza do mal, inversões de expectativas – tudo aquilo que desafia o conforto da razão. Em "Contos de assombro" se encontra o substrato ficcional que mereceu a atenção de pensadores como Kant, Freud e Todorov e que, de certa forma, remonta à própria origem da literatura no que ela tem de tributo aos mitos e às narrativas orais.
Autores
Ivan Turguêniev; E. T. A. Hoffmann; Luigi Pirandello; Robert Louis Stevenson; M. R. James; Émile Zola; Washington Irving; Horacio Quiroga; Leonid Andrêiev; João do Rio; Virginia Woolf; Humberto de Campos; Edith Wharton; Charles Nodier; Leopoldo Lugones; Medeiros de Albuquerque; Emilia Pardo Bazán; Edgar Allan Poe e Guy de Maupassant.
Tradução
Dos dezenove textos que compõem "Contos de assombro", dezesseis foram traduzidos especialmente para a antologia e diretamente da língua original. Os tradutores são: Ari Roitman, Fábio Bonillo, Ivone Benedetti, Maria Aparecida Barbosa, Maurício Santana Dias, Paula Costa Vaz de Almeida, Paulina Wacht e Tamara Sender. Os outros três foram escritos em português.