Tido, ao lado do francês Jules Verne, como um dos pais da ficção científica, o escritor inglês H. G. Wells (1866-1946) foi uma celebridade em sua época, graças ao sucesso conquistado logo no início da carreira com títulos como A máquina do tempo, A ilha do Dr. Moreau, O homem invisível e A guerra dos mundos, nos quais antecipou as viagens espaciais e os experimentos genéticos. Obras menos conhecidas, A Guerra no Ar e O Dorminhoco, reunidos agora numa mesma caixa, pertencem a uma fase imediatamente posterior, um filão que o autor chamou de “fantasias sobre possibilidades”, no qual elabora desenvolvimentos científicos e políticos a partir de tendências já perceptíveis em seu tempo. A prodigiosa imaginação de Wells descreve, em ambos, um futuro sombrio e distópico, muito diferente da era vitoriana em que viveu, considerada por ele mesmo um período de progresso, sobretudo científico, e cordialidade social.
A Guerra no Ar, publicado pela primeira vez em 1908 numa versão serializada na imprensa e depois reescrito para ser lançado em livro, projeta uma novidade tecnológica, a máquina voadora, em seu uso bélico. Escrito num período em que pipocavam pelo mundo experimentos com balões, dirigíveis e aparatos mais pesados que o ar, mas ninguém ainda havia feito um voo de longa distância, o romance vai além e acompanha a trajetória de um humilde mecânico de bicicletas – chamado Bertie, apelido familiar do próprio escritor – que acidentalmente se vê participando de uma guerra mundial catastrófica e, afinal, sem vencedores. Na certeira previsão de Wells, os aviões trariam uma transformação radical nas guerras: em vez de conflitos circunscritos a frentes de batalha, levariam a ataques ampliados para grandes áreas, muito mais letais e ameaçadores para as populações civis.
O Dorminhoco (1910) é ainda mais enfaticamente político e conta a história de Graham, um homem na casa dos 30 anos, herdeiro de uma grande fortuna, mas que vive uma vida desmotivada e sofre de uma insônia crônica. Quando finalmente cai no sono, dorme durante 203 anos e acorda numa sociedade totalmente diferente da que conhecia. Para sua estupefação, o patrimônio que possuía o tornou uma espécie de dono do mundo e alvo de uma idolatria mística, graças a investimentos e aquisições feitos durante seu sono. Aqui a veia satírica de Wells aparece com vigor, ao descrever um mundo em que uma elite desfruta de ambientes sofisticados em metrópoles hipertrofiadas, com intensas luzes brancas, elevadores, domos, caminhos móveis e estruturas de vidro, enquanto operários vivem em estado de semiescravidão em subterrâneos escuros, recebendo comida em troca de trabalho. Como é comum nas obras de Wells, o entrecho foi uma inspiração para Woody Allen no filme O Dorminhoco (1973).
O projeto gráfico
Desenvolvido pelo Estúdio Campo, o projeto gráfico da caixa H. G. Wells é, adequadamente, futurista. As ilustrações digitais da artista suíça Louisa Gagliardi aludem simultaneamente aos recursos do presente e à estética da virada do século XIX para o XX. A caixa que acomoda os dois livros parte de referências às embalagens de suprimentos militares usados em zonas de guerra na primeira metade do século XX.