Agora posso acreditar em unicórnios veio pra mim no tempo entre dois mundos e, junto com eles, os contos de André apresentaram um terceiro: o da espera intransitiva onde o sussurro pede no cotovelo a passagem, onde a linguagem desponta o que sempre foi latente. Aqui, uma observação aguda de mundo é costurada pelo humor que é cúmplice na jornada de tatear a imensidão das nossas falhas. Dão as caras pelos contos as alegrias do engano, do ruído no código, de um rato sem rabo porque a desorientação geral se flagra na vida mais mínima, na que não tem vergonha.
A nossa coletânea de fracassos só pode mesmo ser reorganizada por pares de pulmões que sentem, e que sentem muito, sentem tanto que o doméstico se torna insustentável pelos montes de coisas minúsculas que, sozinhas, nem seriam percebidas, mas juntas desenham os contornos da angústia presumida num certo ser gente, num certo se olhar e se ver enturvado na casa que habita, na rua, nas moscas mortas nos cafés, televisão aberta, amigo imaginário, lanchonete vazia, guardanapos que esfarelam, gatorade pela metade, almas cheias de tarifas. O materialismo melancólico escancara a nossa precariedade doméstica: boias de salvação podem arbitrariamente virar pedras.
A escrita de André é dum primor que surpreende como um vento que desperta velas fúnebres a cada amontoado de coisas e, num susto, acendem nossa posição de agora, e de agora, e de agora. Os contos avançam num trânsito muito engajador entre a língua da mente e a língua do pé até o mundo que virá depois desse, onde precisaremos da minúcia e do sussurro, ainda que desorientado, vivo. A melancolia aqui tem um bonito contraponto: os homens de André escutam e se abrem às vozes encobertas de mundo onde os verdadeiros mensageiros são os dedos; e os dedos, ainda que cegos, sentem nas pontas as rachaduras que são tanto falhas quanto brechas de possível.