A Perspectiva do Quase (selo Arte Paubrasil) busca a afirmação de um lírico e de um lúdico que se encontram negados em uma concepção de sociedade que pressiona o indivíduo para a utilização total de seu tempo em tarefas produtivas e programadas objetivamente. Neste modelo, até o ócio, o riso, a dança estão sob controle do mercado, e a linguagem do espetáculo se impõe, hegemônica e (aparentemente) inconteste. A poesia, no entanto, se situa à margem: não está incorporada, ou seja, não consegue tomar parte no corpo desta “realidade”. O que parece nocivo traz no bojo uma solução, ou pelo menos uma possibilidade de rota: descomprometida perante aquilo que não a absorve, à poesia resta estabelecer-se como oposição à linguagem dominante.A poesia de Zeh Gustavo assume esta tarefa para si, apostando na categoria de “nada” como contraponto essencial ao “tudo” que o sistemão oferece, em suas prateleiras saturadas, para o consumo frenético, e vislumbrando na busca de um “ponto zero”, um “antes” inaugural, um “quase” perdido o elo para reencontrar um eu anulado pelo cotidiano e por relações humanas e sociais cada vez mais autômatas. A eleição deste mito poético primordial como prioridade transforma a poesia de Zeh Gustavo em um jogo de construção e desconstrução de palavras, sintaxes e temas. O eu poético zehgustaviano já nasce, portanto, proposto ao desacomodar das coisas.A originalidade d’A perspectiva do quase reside na consistência de geração de um novo mito poético, segundo o qual um eu protagonista de sua subjetividade – para lembrar as palavras de Mário Chamie no livro anterior de Zeh Gustavo, Idade do Zero – elabora uma autêntica elegia do não-acabado, do objeto e do ente em permanente construção imperfeita. Olhar para o “quase” pode constituir-se ainda como um desviar-se da submissão ao fetiche do produto e da mercadoria. É, em suma, voltar o olhar para algum ontológico fundador, primordial, anterior, ao passo que a publicidade alerta o tempo inteiro para um superficial de butique, de araque, de massa. O lirismo perspectivo do livro apresenta-se, pois, como um foco de resistência ante uma cultura urbana massificada e uma linguagem de mercado que diluem o eu e que partem da premissa da quantificação de tudo com vistas à formatação contínua de um ávido e onipresente supermercado global.