O livro de Gabriela Ferreira conta as peripécias de Vicente Lima, “homem preto e natural do Rio de Janeiro” e de outros supostos forros em suas tentativas de promoção ao oficialato das tropas auxiliares de Sua Majestade no Rio de Janeiro de fins do século XVIII. Essas tratativas têm como cenário uma sociedade escravista e uma monarquia lusa que viviam enxurradas de mudanças demográficas, econômicas, político administrativas, somadas ao incremento da mobilidade social dos libertos. Naquele contexto, observamos o aumento do comércio atlântico de escravos, a ampliação das atividades voltadas ao mercado interno da América portuguesa e a extraordinária multiplicação de forros. Entre estas, temos ainda o ingresso dos forros no grupo dos senhores de escravos. Por conseguinte, observamos não só o crescimento da economia escravista de Antigo Regime de base escrava, mas também a transformação de suas hierarquias sociais. Hierarquias essas, a princípio e conforme as visões de mundo tradicionais, entendidas como imutáveis. Em outras palavras, parte da população senhorial via incrédula e assustada o aumento do número de libertos e, mais preocupada, com a possibilidade de os saídos das senzalas alcançarem posições de mando na estratificação social. Afinal, para aqueles incrédulos “brancos”, a hierarquia social de Antigo Regime pertencia à ordem da natureza e, portanto, não estava sujeita a mudanças radicais como a transformação de cativos em mandatários. A última opinião era particularmente partilhada pelas elites sociais e administrativas da América lusa. Porém, complexificando o cenário social e mental da época, a Coroa, inspirada no iluminismo, implementava a centralidade mediante modificações nos mecanismos de disciplina social. Entre tais políticas, a possibilidade de os forros alcançarem postos de comando nas tropas auxiliares. Isso para espanto de alguns administradores da Coroa e de outras elites na sociedade mineira. Enfim, Gabriela apresenta histórias ainda pouco conhecidas vividas por forros nas fileiras das tropas auxiliares, em processos de mudanças sociais e de resistência das arraigadas daqueles no topo das estratificações sociais escravistas. Trata-se, portanto, de um livro no qual a complexidade dos fenômenos de mudanças e a resistência do processo histórico aparecem em movimento. Prof. Dr. João Fragoso Instituto de História