No dia 04/07/1976, eu e meu amigo Paulinho estávamos em Washington D. C. comemorando o bicentenário dos EUA, no meio de uma viagem de quase dois anos que fizemos com uma pesada mochila nas costas por este mundo enorme e tão pequeno. Saímos da Estação da Luz, em São Paulo, num vagão de trem com destino a Corumbá, e nossa intenção era chegar ao Canadá para trabalhar na colheita de maçãs. Durante nossa longa e inesquecível jornada pelo mundo, trabalhamos com numa gama inimaginável de coisas que a energia dos 20 anos permite, menos, é claro, na colheita de maçãs. Jamais vou me esquecer das paisagens pelas quais passamos, dos olhares, gestos e sabores das pessoas que conhecemos. Elas tornaram-se referências para a vida toda. O impacto de sentir-me pela primeira vez num outro país, a Bolívia, comendo baas numa estação de trem o colorido das roupas das mulheres na Guatemala a neve no Canadá a luz nas montanhas mágicas em nossa caminhada pela ilha de Kós os beijos apaixonados das minhas namoradas com línguas diferentes, muitas das quais eu não entendia os concertos a que assistimos na Europa o órgão de tubos que eu tocava de madrugada numa igreja nos EUA as viagens de navio, a pé, de bicicleta, de caminhão, de trem, de carona, de avião e uma infinidade de outros momentos e lugares, impregnados na minha identidade. Depois desse “debut” de mais de 90.000 km percorridos em 23 países, e mesmo antes dele, várias outras viagens aconteceram na minha vida, e há ainda muitas por vir, todas incrivelmente interessantes (viajar é sempre uma descoberta, seja a trabalho ou lazer). Mas a primeira, e com esse desenho e sabor, é aquele ponto de transformação a partir do qual não é possível voltar atrás. É a descoberta da própria Vida!